Cláudia Ribeiro Monteiro Lopes
Embora a descoberta da possibilidade de transmissão do som por cabos elétricos tenha sido mero acidente, a significação social assumida pelo telefone em quase um século e meio de existência não tem precedentes. Ele representou uma das primeiras experiências de virtualização e é, sem dúvidas, ainda o maior exemplo de convergência midiática.
A criação do telefone foi uma resposta aos imperativos da velocidade na sociedade (dromocracia), pois garantiu aceleração ao transporte de informações, promoveu a comunicação entre interlocutores distanciados e, principalmente, permitiu-nos chegar antes. Uma análise do processo histórico-social revela o quanto o ato de chegar primeiro sempre representou certa vantagem aos povos, mas os meios de transporte nem sempre possibilitaram tal feito. Com o telefone, o transporte da voz assegurou essa vantagem.
Assim como todos os meios de comunicação que sobreviveram a passagem das épocas, o telefone sofreu impressionantes transformações estruturais e com elas vieram as mudanças no hábito de uso, no papel ocupado na sociedade e até no imaginário social.
No Brasil, os primeiros aparelhos telefônicos para uso doméstico exigiram campanha publicitária com garota-propaganda, fazendo tutorial do modus operandi do falar ao telefone, introduzindo o corriqueiro “alô”, como saudação ao atender (uma variação americana, é claro). Hoje tais aparelhos decoram casas no estilo vintage e são vendidos como tesouros em feiras de antiguidades pelo mundo afora.
Ter uma linha telefônica na sala de casa e com extensão para os quartos já foi um luxo reservado a poucos e atualmente beira o démodé. Nem a graça dos telefones sem fio perdurou. A chegada do digital fez o telefone virar sinônimo de smartphone e, paradoxalmente, smartphone ser muito mais que um executor de chamadas telefônicas.
Lembro de um comercial da Chevrolet Onix no qual um homem saía nu de casa e entrava no carro. Só então percebia sua nudez, voltada para casa e pegava o celular. Pronto, estava vestido novamente. A campanha enfatizava a novidade, na ocasião, do emparelhamento do smartphone ao sistema do carro e, para tanto, brincava com a inegável dependência com relação a esse aparelho.
A importância do telefone foi reescalonada e justamente porque ele deixou de ser telefone e passou a concentrar a certeza de se chegar a um destino determinado, a possibilidade de ficar perto (mesmo estando longe) de quem se ama, a distração dos vídeos, jogos, redes sociais digitais, a agenda de trabalho e estudo, o registro fotográfico de memórias, a música, o pix e tantas outras utilidades.
Os hábitos foram reconfigurados, nossa postura ao telefone mudou. A chamada por vídeo, o fone bluetooth e o viva-voz roubaram a graça do levar o telefone ao ouvido. Ver alguém gesticulando e parecendo estar falando sozinho não é mais tão estranho.
É certo que para alguns o novo telefone tornou-se vilão. Ele separa casais na mesa do jantar, distrai alunos em sala de aula, provoca acidentes no trânsito, incomoda no cinema, é ferramenta de golpes, invade a privacidade e vicia. Sua presença é proibida em certos locais.
De toda forma, seu avanço é inevitável, é irreversível. A obsolescência programada alimenta a cada dia o surgimento de novos modelos e funcionalidades.
Parodiando Marilyn Monroe: os homens passam, e os telefones ficam. Não saio de casa sem meu smartphone e carregador. E viva Graham Bell!
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